sexta-feira, 17 de março de 2017

O viciado

- Por que me olhas assim? Me julgas? Não? Então por que esse olhar? Ah, sei, é o seu jeito, sei... O quê? Me drogo porque não gosto de ver o mundo como ele é. Essa realidade terrível! Prefiro me manter alucinado... sim, alucinado. Não disse alienado, mas alucinado! Prefiro ficar sem luz a ter essa luz que nos cega a vista! Sim, eu sei que não posso estar dopado o dia inteiro, mas eis a minha utopia. Por isso sempre que posso estou dopado e quando não estou, na maioria das vezes, durmo. Entendeu? Não suporto isso que vocês chamam de realidade. O que eu vejo? Ora, vejo o que está por detrás disso tudo. Vejo uma grande floresta e um cheiro tão agradável. Vejo uma linda mulher correndo nua por entre as árvores da floresta. É como se eu voltasse para o início de tudo, entende? Até quando não estou alucinado, meus sonhos são nessa floresta e com essa mulher. Parece que a droga já faz parte de meu ser. E acho isso bem agradável. Ora, me sustento com a pensão do meu velho pai que lutou algumas guerras e que eu não lutarei. Minha mãe também já não existe. No início eu conseguia vê-los, mas agora só me interessa a floresta, o cheiro e a mulher. Não, não tenho filhos, não cometi essa covardia. Sim, todos que têm filhos são covardes, jamais desejaria a um filho a existência. Sim, covardes, não têm coragem de serem sozinhos. Temem a solidão! São os putos! Deixo meu filho e minha filha no esquecimento delicioso do nada. Que filosofia que nada, apenas não sou um vigarista como vocês. Ah, odeio isso! Esses ternos arrumadinhos, essas senhoras chiques, essas crianças barulhentas! Odeio os operários e os patrões! Odeio essa tentativa idiota de dar sentido à existência. Loucos! Sim, pode me chamar de radical, mas todos são loucos! Os sacerdotes? Esses são os piores, pois se dizem testemunhas de uma mentira para sustentar um mundo que eles desejam. É isso. Não, não são só eles, mas todos que defendem uma causa. Loucos! E é assim que me livro disso tudo, entende? Esse pó, essa trilha e pronto, eis a minha fuga...

A primeira edição

          Assim se deu o diálogo entre dois velhos amigos: - É apenas um livro. - Não, não é apenas um livro, mas a primeira e...