Ele
morava lá em cima. Lá em cima era uma ladeira que dava para uma vila de casas
velhas. Uma dessas casas velhas pertencia a sua mãe. Sua mãe enviuvara do
segundo marido e herdou a casa. A casa agora pertencia a ele que agora era
órfão de mãe também.
Todo
dia ele descia com a Bíblia de sua mãe e ia até a praça. Na praça começava a
falar sobre o deus da Bíblia. A Bíblia tinha várias anotações e várias
cicatrizes por causa do uso. A causa de sua descida era uma promessa feita à
mãe e não a fé. Esta não herdara junto com a casa.
Quando
a praça desertava de gente, ele subia lá pra cima. Lá de cima olhava a cidade
apagando-se. A cidade que parecia tão acesa pela manhã, agora era vencida pelo
cansaço. O cansaço não o deixou perceber que a Bíblia continuava em suas mãos.
Olhava as mãos, cheias de vincos.
Entrou
na casa velha que mantinha muitas memórias. Memórias que se esparramavam pelo
chão, pelas paredes. Nas paredes mantinha alguns quadros familiares. Tão
familiares que havia alguns personagens que não conhecia. Um desses personagens
era um jovem fardado.
Foi
até à geladeira e pegou leite. Pegou pão. Pegou presunto e queijo. Pegou a
faca. A faca que sua mãe usava para cortar batatas e faze-las com carne seca.
Pegou manteiga. Pegou um prato grande que pertenceu a sua vó. Vó que não
conhecera, mas sua mãe sempre dizia: - pega aquele prato que era da sua vó!
Preparou
um sanduíche e foi pra sala. Na sala sentou-se no sofá próximo da janela. A
janela aberta deixava entrar a brisa. Brisa da noite que confortava seu
cansaço. Brisa que servia de companhia enquanto comia o sanduíche com leite.
Brisa que o acompanhava na leitura.
Na
página quarenta e cinco pegou no sono. O sono embalado pela brisa. Brisa que
derrubara a xícara com um pouco de leite ainda. Brisa que continuava folheando
o livro. Brisa que levantava uma cortina e jogava um jarro com uma planta no
chão. Brisa que só não vencia o sono.
Dormiu.