Passei
por uma encruzilhada. Vi um despacho. Não pedi licença, pois não
mais creio nessas crendices. Meu coração tornou-se insensível ao
sagrado terreno. Vi uma procissão, não de gentes, mas de formigas
que saíam do despacho. Iam levando grãos de farofa e alguns pedaços
de doces. Iam levando as mandingas, os olhos grandes, algo reluzente
denunciava a presença de bijuterias de lata para a pomba gira. Pude
ver também algumas formigas lutando pela sobrevivência nadando na
cera derretida de uma imensa vela de sete dias. Outras seguiam a
procissão, indiferentes, talvez já contaminadas com os vícios do
despacho. As formigas iam levando tudo aquilo para o formigueiro para
ser colocado aos pés de sua rainha. Iam levando tudo para o centro
da Terra.
Mais
adiante, no meio do mato, vinha-me um cheiro terrível de animal
morto. Era um gato com as tripas de fora. Outra procissão se formava
ao seu redor. Não de gentes, novamente de formigas. Talvez
pertencentes a outra seita. Talvez de formigueiros rivais. Estas
levavam partes das tripas do gato. Um grupo menor, porém mais forte
fazia a segurança. Seus corpos vermelhos revelavam a intensa
adrenalina de promover segurança às operárias. Uma mulher tentou
empurrar o gato com uma vassoura, mas as formigas vermelhas subiam na
vassoura com tanta rapidez que ela largou a vassoura e corria coçando
as pernas e os braços.
Lembro
dessas coisas agora. Agora que morri e posso contemplar daqui de cima
o mundo. Fico impressionado com a capacidade de destruição das
formigas. Uma destruição tão bem organizada e disciplinada que é
quase impossível de impedi-las. Elas são tão terríveis que certa
vez um anjo que compartilhava comigo da mesma nuvem, disse-me: “Tá
vendo essa Terra? Ela era boa, boa mesmo! Mas aí chegaram as
formigas e começaram a devorá-la aos poucos e ainda continuam com a
mesma disciplina. E ninguém pode parar. É inevitável.”. Olhei de
novo e apenas disse: “São muitas e estão por toda parte!”.