quinta-feira, 13 de abril de 2017

De onde vem as árvores




- Papai, de onde vem as árvores? Do centro da terra?

[ O jardim estava impecável. O verde da grama parecia um verde real, não um verde que se apresenta aos nossos sentidos, mas o verde etéreo. O verde platônico, ideal. Talvez fosse o sol que fizesse isso, pois o sol parecia também diferente. Ou talvez fosse nossa mente que produzia esse idealismo dando um sentido superior às coisas. Colocaram um balanço num galho forte da árvore e crianças revezavam balançando e gritando. Outras corriam atrás dos cachorros ou os cachorros que corriam atrás delas. Uma manga caiu e me lembrei de Newton. Se Newton fosse brasileiro não seria maçã, mas manga. A diferença é que em vez de descobrir a gravidade, ele apenas comeria a manga. ]

[ - Olha, tem flores novas! Olha, quantas borboletas, mamãe! Qual é o coletivo de borboletas, mamãe? São muitas! Tira uma foto, mamãe! Não, vamos tirar uma selfie! ]

[ De todas as árvores que havia na praça, apenas uma lhe chamava a atenção. Ela permanecia sem folhas, completamente nua. Olhou para Joana, tirou um canivete do bolso e começou a talhar na árvore nua suas iniciais. Ela achou ruim, pois havia tantas árvores lindas na praça e ele escolhera aquela sem beleza para gravar seus nomes. Ela não disse nada, mas Antônio conhecia o olhar da mulher que escolhera, já sentia que era uma só carne com ela. - Não fique triste, Joana. Veja essa árvore, olhe sem a submissão dos sentidos, ela é única em meio a tantas parecidas. Olha, minha Joana, ninguém talhou seus nomes nela, essa é a nossa árvore. Ela servirá de símbolo eterno de nosso amor. E quando eu te irritar, você virá até aqui e me perdoará. E quando ficarmos velhos, seremos parecidos com ela, sem folhas, e seremos amigos para sempre. Olha, minha Joana, olha a nossa árvore, ela é única. ]

[ Pelo lado norte da praça desciam algumas pessoas. Um vinha na frente, com olhar alegre. Sorria mesmo. Parecia estar muito alegre. Era desse olhar que precisávamos! Atrás dele vinham homens e mulheres. Passou pelas crianças do balanço e um dos homens mais afoito segurou o balanço com medo que este acertasse o sorridente homem. Ele parou e segurou o braço do afoito. Chegou-se até o balanço e começou a balançar uma criança. Ele ria, a criança ria, as pessoas riam. Joana chamou Antônio e apontou para aquele homem que balançava a criança. Antônio disse: - o que foi, você o conhece? Joana respondeu: - está com ciúmes? Antônio sem graça, Joana beijou seu rosto. ]

[ Joana puxou Antônio e mostrou que uma roda de pessoas se formava em volta daquele homem sorridente. Correndo e puxando Antônio chegaram até a roda. O homem falava: - olhai os lírios do campo! - olhai as aves do céu! ]

- Parece que lá no centro da terra, papai, deve ter um feiticeiro barbudo que tem uma máquina enorme e faz as raízes das árvores, as raízes começam a ser empurradas para aqui em cima e perfuram a terra e começam a subir.

- Tá, e como surgem as folhas, filha?

- Ora, papai, o feiticeiro do centro da terra passa uma loção mágica nas raízes que a máquina produz. Essa loção tem um efeito mágico quando tocada pelo sol, esse efeito faz surgir as folhas e os frutos. Como esse feiticeiro possui diversas loções mágicas, para cada raiz ele utiliza uma, por isso essa variedade de árvores, entendeu, papai?

- Tá, e por que em algumas estações isso não acontece?

- Aí, é porque o feiticeiro está de férias e ele viaja para sua casa e vai visitar sua filha, uma princesa…

[ - Joana, lembra daquela praça que talhei nossas iniciais numa árvore que não tinha folhas? - Sim, lembro. - Ela está completamente abandonada. Nenhuma árvore. Nem mesmo a nossa. - E você pensou que seria a nossa árvore. - É, nada é para sempre. ]

[ - Olha, aqui é um bom lugar. - Esse terreno tem dono? - Não, não, está abandonado. - O que são essas marcas no chão? - Ah, aqui foi lugar de execução no passado. - Sério? - Sim, o povo agora pensa que o lugar é amaldiçoado. - Ora, essas coisas ainda existem? - Você tem certeza que deseja investir num local como esse? - Sim, não sou supersticioso. - Sei, mas o povo é e você precisa do povo, não? - Sim. ]

[ O homem que sorria continuava a falar para as pessoas que o rodeavam. Uma criança chegou mais perto e ele a puxou para seu colo. Antônio e Joana prestavam bastante atenção. O homem agora falava de maneira poética sobre seu pai, sobre a casa de seu pai. Uma mulher se lançou aos seus pés e começou a chorar. Os homens que o acompanhavam retirou a mulher e ele novamente segurou os braços ansiosos e tocou na mulher. A mulher o olhou. Ele falou algo somente para ela. Ela sorriu. Ele sorriu. Os homens que o acompanhavam se afastaram. E aquele homem alegre ficou um bom tempo falando de diversas coisas que serviam para todos: homens e mulheres. Sua linguagem era universal. Sua linguagem era como o verde tão verde da grama daquele dia. Suas ideias eram tão fortes como a força do grande galho que sustentava o balanço das crianças. Sua aparência era tão real que nos desnudavam a todos, como a árvore nua do centro da praça que agora tinha encravada as iniciais de Antônio e Joana. ]

[ - Joana, você lembra daquele homem que falava com tanta sabedoria e de maneira poética na praça? - Lembro sim, acho que era um artista, não? - Não sei, mas nunca mais soube dele. - É, lembra que tinham umas pessoas que ele sempre tinha que chamar a atenção? - É verdade, é aquela coisa que o homem tem em si, vontade de dominar o outro, não? - É, alguém sempre deseja dirigir a situação, dominar as ideias. - É, mas aquele sujeito era difícil de dominar, não? ]

- Tá, esse feiticeiro é eterno?

- Não, papai, nada é para sempre.

- E quando ele morrer, quem fará as árvores?

- Ora, papai, ele sempre está preparando um discípulo para continuar seu trabalho. Ele mesmo já foi discípulo de seu mestre.

- Nossa, filha, quanta disciplina, não?

- Nem sempre, papai. Já percebeu que as estações se repetem, mas o mundo nem sempre se comporta da mesma forma?

- Sim, é verdade.

- Um discípulo leva mais a sério que outro. Mas as árvores vêm. E elas vêm conforme os discípulos, entende, papai?

- Entendo.

- Nada é para sempre, papai.

[ - Eu não aguento mais ser chamado a atenção por ele. - Ele nos trata como crianças. - Deixamos tudo por ele e é assim que ele nos retribui? - Ingratidão! - Eu não gosto de seu modo irônico quando colocamos nossas opiniões, quando lhe revelamos nossos ideais e valores. - É verdade, para que tanta ironia, não? - Você fala: “olha nossa casa” e ele diz: “isso nada é”. - Já estou farto e vocês? - Também. - Também. - Temos que ser mais ofensivos. - Ele não é maior que o movimento! - E ele tem uma missão e tem que estar focado na missão! - É um irresponsável! - Olha, muitas vezes o acho desrespeitoso com os grandes mestres. - Também já vi algumas vezes ele ironizando mestres célebres. - E essa mania dele usar uma linguagem cheia de códigos. - Também não gosto disso. - Tenho um conselho: o que vocês acham de pedirmos a opinião dos mestres? - Sim, temos que enquadrá-lo no ideal. ]

[ - Não! Vocês não entendem. Eu sou livre. Eu conheço o que quero. Eu sei o que quero e não preciso pedir conselho a vocês. Não sigo seus ideais, não moro em suas casas, vou aonde desejo ir e convivo com quem desejo conviver. Não sou dominável ou domesticável. Sou como uma fera! Sou como um leão! ]

- Papai, de qual árvore você mais gosta?

- Daquela ali, com flores amarelas.

- Ah, sim.

- Você gosta daquela sem folhas?

- Não, papai.

- Por que não?

- Porque dela alguns homens pegaram para fazer algo mau…

[ - O que aconteceu? - Mataram-no. - Por quê? - Os mestres! - Meu Deus! - Mas por que fizeram isso? - Forçamos muito, eu acho. - Onde estão os outros? - Sumiram. - Fugiram? - Não, não era preciso, os mestres se arrumaram com o judiciário. - Então por que fugiram? - Não fugiram, sumiram. - Vergonha! ]

- Que mau?

- Acenderam uma grande fogueira para queimar um inocente, papai.

- Nossa! E quando foi isso?

- Todos os dias, papai.

[ - Por que me olham assustados? - Não sou domesticável, sou uma fera, sou um leão! ]

[ - Antonio, juro que um dia passei por aquela praça, juro ter visto aquele homem de novo. - Impossível, Joana, aquilo está abandonado. - Não sei, parecia com ele e tive a mesma sensação que tive da primeira vez que o vi. - Sei, mas seria muito bom que fosse ele, aquele dia foi especial. - Sim, quem sabe ele volta? - Ele? - Sim, aquele dia. ]

- Filha, vamos embora, sua mãe deve estar preocupada.

- Vamos sim, papai. Só um momento, papai.

- O que foi?

- Olha, olha papai, aquela flor…

- Linda!

A primeira edição

          Assim se deu o diálogo entre dois velhos amigos: - É apenas um livro. - Não, não é apenas um livro, mas a primeira e...